Atrás do Trio Elétrico Gospel
O primeiro mandamento do gospel nacional é: não há mandamentos. Não há regras. A música gospel já está parecendo uma final eterna do Ultimate Fight, um vale tudo cada vez mais liberado. Funciona mais ou menos assim: alguma mente bem-intencionada descobre que, para chegar junto da moçada de sensibilidade amortecida, é preciso usar as mesmas músicas que levam a galera à loucura, uhu, tira o pé do chão! Daí, meu bom, a parada é evangelizar com a unção do axé e do funk, bota pra ferver, brother!
Até outro dia o povo andava esperando por milagre. A turma até pode estar esperando, mas não em pé, que em pé cansa. Nem sentado também. Enquanto a benção não vem, a turma sacode o esqueleto que crente não é de ferro, e uma micareta santificada não faz mal a ninguém, faz a dança do quaquito aê pra gente se animar, Aline Barros! (Please, Aline, você não, por favor).
A controvérsia da vez é a cantora Jake e a canção Pó pará com pó. E como toda controvérsia em forma de música, já virou sucesso. A moça de cabelos, voz, energia e passinhos no melhor/pior estilo Daniela Mercury se tornou uma celebridade via youtube. A música, do gênero axé-pop-gospel (se isso não existia, acaba de vir à existência), apresenta a cantora animadíssima no programa Vozes da Igreja da TV Aparecida.
A letra seria um instrumento de combate às drogas (“pó pará cum pó aí”, traduzindo, pode ir parando de cheirar pó… aí). A cantora alerta que, em vez de cocaína, o melhor é tomar “uma overdose de Jesus” e, na metáfora do ano, “injetar na veia o sangue que correu na cruz”. Onde estava essa música na hora que Jimi Hendrix mais precisava dela?
Ainda tem os versos enlouquecidos de “overdose de alegria” e “Shekinah doidão, doidão”. No vídeo, Jake diz que “católico também tem muito axé”. É ou não é o samba ou o axé do crente doido?
Não faz muito tempo e o grupo secular Asa de Águia cantava que “na casa do Senhor não existe Satanás, xô Satanás,…”, e o público se esbaldava de tanta folia. A canção era uma sátira às célebres sessões de descarrego e exorcismo de algumas igrejas neopentecostais. A canção da católica Jake parece produzir um efeito semelhante ao das canções carnavalescas. Letra divertida, muita dança e finalidade de entreter. Se ela acha que as pessoas serão conscientizadas em meio a tanto barulho, badalação e folia…
Não quero dar ideia, mas reúna a axé-saltitante Jake e a pop-crente Cláudia Leitte para cantar esse hit no palco do carnaval. Não há ecumenismo que resista a esse som. E mais, nem como alerta antidrogas a música vai funcionar. Será tragicômico saber de muita gente “doidona” viajando e pulando ao som de Pó pará com pó. Será que atrás do trio elétrico gospel só não vai quem já morreu?
Fonte: éoqhá
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